segunda-feira, 21 de novembro de 2011

20 de Novembro Dia Nacional da Consciência Negra.

Brasil: história e consciência negra


(Análise de Roberta Traspadini, economista e educadora popular, publicada no jornal “Brasil de Fato”, 17/11/2011)

Ser trabalhador e negro no Brasil significa que além da exploração produtora de valor para outros, a opressão real se manifestará pela histórica caracterização da produção do ser menos

“... a história nos engana/ Diz tudo pelo contrário / Até diz que abolição/Aconteceu no mês de maio/A prova dessa mentira/É que da miséria não saio/ Viva vinte de novembro/ Momento pra se lembrar/ Eu não vejo no treze de maio/ Nada pra comemorar ...”

(domínio público)

A história do Brasil se caracterizou pela conformação da violência colonial europeia que, além de branca, era masculina na sua construção de poder.

Para isto, foi instituindo com força vil e adestramento cultural uma forma de ser para o negro e para o índio, a partir daquilo que o dono dos sujeitos definiria como civilização e trabalho.

Essa história, marcada a fogo e a ferro pelo racismo, se apresentou como única, como a história dos vencedores sobre os vencidos, e relegou os negros e os índios a um papel subordinado, ocultando sua função produtora de vida para outros.

O Brasil colonial aparece, em sua essência, como uma fase que oculta os reais processos de opressão e exploração utilizados pelos donos do poder para calar – na chibata e no tronco – os que se rebelavam contra a ordem dominante.

Essa capacidade de transformar o aparente no real trouxe para nossa história uma perversa essência de consolidação de estereótipos.

Estes estereótipos, para a ordem dominante do progresso, consolidaram um poderoso antagonismo sobre quem eram/são os civilizados/bárbaros, cultos/ignorantes, belos/feios, homens e mulheres ao longo da história.

A construção desse imaginário coletivo conformou uma lógica de não poder ser para uma parte expressiva de nossa classe trabalhadora negra e índia. Seja na condição de escravos ou na atual relação aparente de trabalhadores livres, reforçada pela democracia restrita.

Instaurou-se uma liberdade condicionada para a sociedade como um todo, sobre ser e sentir-se menos, como índios e negros.

O suposto fim do período colonial já havia assentado a centralidade das bases de consolidação da ética-moral sobre o ser menos, como mecanismo vital de dominação de uma classe sobre a outra.

A pele, os corpos, as culturas dos negros e índios, já haviam entrado para a história a partir da forma e do conteúdo dominantes, de exercer e manter o poder, eliminando objetiva e subjetivamente o real poder/dever ser desta parte integrante de nossa classe.

Na aparente consolidação democrática do Brasil republicano, igualitário e libertário, se consolidou a histórica essência dos valores éticos-morais da desigualdade, manifesta na inserção subordinada desde um ser menos para índios e negros.

Sob a aparente sociedade democrática se funda, além da desigual conformação de classes, uma relação ainda mais perversa de classificação sócio-cultural pelo gênero, pela raça-etnia e geracional.

Ser trabalhador e negro no Brasil significa que além da exploração produtora de valor para outros, a opressão real se manifestará pela histórica caracterização da produção do ser menos, quando em essência é ser mais.

Os mesmos postos de trabalho, ocupados por trabalhadores com cores de pele diferentes, conformarão um grau ainda mais perverso de exploração e opressão no interior da nossa classe.

A classe que vive do trabalho está subordinada pelo poder econômico e político da classe que vive da exploração do trabalho.

No Brasil, entre os explorados, ser mulher, ser negra e ser pobre, condiciona uma lógica de poder que intensificará os perversos conteúdos de exploração do capital sobre o trabalho no nosso território: a superexploração.

A liberdade desfigurada e a exploração manipulada geram uma herança maldita, que não será aniquilada ao menos que consigamos romper com a forma-conteúdo de produzir mercadorias classificando o humano como objeto da relação, da vida que ele produz.

O poder popular requer a restauração do ser mais da classe que vive do trabalho, rompendo com a estrutura de produção de vida em que o ser menos foi instituído como forma de adestramento necessária à manutenção da ordem e do progresso burgueses.

Segundo o último censo do IBGE-2010, a população brasileira é de mais de 190 milhões (190.755.799). Deste total, 43,1% se declarou preta (82.215.750) e 7,6% parda (14.497.441). Somados, chegamos a quase 97 milhões de brasileiros.

Oxalá que a história escrita e protagonizada por nós, a partir da luta organizada enquanto classe trabalhadora, nos permita recuperar na memória, nossa real história de ser mais, a partir da construção de um projeto nacional, democrático e popular, que ponha fim ao domínio do capital sobre nosso trabalho.

Obs.: O Brasil celebra, oficialmente pela primeira vez, através da Lei n.º 12.519, assinada no último dia 10 pela Presidenta Dilma Roussef, o “Dia da Consciência Negra”, 20 de Novembro.

A data lembra o falecimento do líder “ZUMBI DOS PALMARES”, morto numa emboscada em 1695, em Alagoas. O “Quilombo dos Palmares”, liderado por “ZUMBI”, resistiu a sucessivos ataques.

A Ministra Luiza Barros, da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, destacou, em pronunciamento em rede nacional de rádio e tevê; “as justas homenagens que prestamos a ZUMBI e seus companheiros e companheiras exprimem o reconhecimento da nação às lutas por liberdade e pela afirmação da dignidade humana de africanos e seus descendentes que remontam ao período colonial”.

Segundo o IBGE, a população negra corresponde a 15 (quinze) milhões de pessoas, ou 7,6% da população brasileira. E de acordo com a ONU, o Brasil tem mais de 22 (vinte e dois milhões) de jovens afrodescedentes, ou 47% da população jovem do país.
Embora tudo o que se diz, quanto ao Brasil país de “paz e amor”, a discriminação e o preconceito ainda imperam. Lembram, aqui em Açailândia, quando a Câmara de Vereadores se recusou a conceder um título de utilidade pública a um terreiro? Ou que igrejas promovem sistematicamente pregações e campanhas contrárias às manifestações culturais e religiosas afroindigenas?

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